quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Coração de gelo...



Uma fina geada cai em minh’alma.
Noctâmbulo, meu olhar passeia pelas folhas secas voando cegas pelo crepúsculo do outono em meu jardim. Desvio para as páginas nuas, na escrivaninha, aguardando minhas ordens, como soldados uniformizados, as palavras vigiam-me, guardiãs, de seus respectivos postos. As mãos, trêmulas, tentam em vão desembrulhar a estranheza deste momento. As letras ficam presas aos dedos.  Negam-se a liberdade.
Inércia...
Observo a vela ao lado do metrônomo, sobre o piano, vejo o modo como as chamas bailam, ritmadas, diante de meus olhos. O vento, brando, não faz nenhuma ameaça ao fogo. O frio, a passos lentos, adentra por entre as frestas da janela. Loui, meu astuto gato, se refugia em frente à lareira. 
Apático...
Em meu peito, o coração gelado ameaça fragmentar-se. Sinto frio... na alma. A dor corta, como chuvas de estalactites batendo em meu peito de uma caverna escura. Nada faço. Deixo que se espalhem pelos olhos, pelo rosto, pelo corpo, até me cobrirem por completo. Sangro-me em formas de orvalho, de chuva... de lágrimas.
Cicatrizes que nunca saram...
Este frio me é axiomáticamente íntimo. Enlaçamo-nos de nosso próprio vazio e, assim, nesta paisagem oca e imóvel, em algum outro outono, nos fundimos. 
O peso congelante deste silêncio não tardará a me atrofiar os movimentos. Sinto. 
A lonjura muda destas palavras reduzirá a um ponto negro todos os instantes que vivemos. A estranha sensação da saudade, da separação, do desespero, esse mesmo que me segue há sete anos, agora me enche de desassossego.
Adormeça...
Ainda existe um tempo... não se esqueça de ajeitar o edredom. O inverno chegará. O inverno sempre chega.



 No tempo de dentro, tudo dá tempo.

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