Ainda
podia sentir o perfume daquele seu cantinho no escritório, da
escrivaninha, onde havia sido seu refúgio, sua fuga. Onde as
muitas flores, frutas e folhas cresciam tentando atenuar sua dor.
Porém, agora, no caminho de volta para casa, podia dizer que não
existia saudade, pois não existiu acolhida. Tinha aprendido a olhar
com outros olhos aquele tempo de espera e tempestades. O fugir de uma
dor e sem saber ir ao encontro da indiferença, da inveja, dos ciúmes
e de baixos sentimentos que já não se recordava, por feios e
corrompidos. Foi para esquecer e retornava com a mala cheia, lotada,
ainda mais, para esquecer. Um somatório de perdas que já não
conseguia contar. Em seu refúgio havia se transformado em sua própria
arte, era a escultura e não mais a escultora. Um ser de mármore,
bronze... Chegou sangue, voltou pedra, se distinguindo somente pelo
olhar e pelas gotas que dele desciam. Em seu luto foi jogada às
sombras e ao silêncio.
À
margem, aprendeu a conviver com seu mundo de papel, tinta e teclado.
Onde as pessoas nasciam em sua mente, ganhavam vida e dialogavam dias
e noites. Quase podia sentir a respiração do outro lado das folhas,
por vezes podia tocar nas lágrimas secas das páginas e falava com
elas, e assim, afugentava a insanidade, o medo, a desilusão. O fato
era que, naqueles dias, existia mais sentido nisso que na própria
vida. A dor era insuportável e o silêncio e a solidão eram
sufocantes. Sentia que havia passado mais tempo naquele canto, em
sua escrivaninha, do que gostaria de admitir. Não saía de casa,
não dormia, e, de algum modo, enfraqueceu até os dedos
perderem a força para pegar a tinta ou apontar o teclado. Se deu
conta de que não poderia mudar o que as pessoas não eram e jamais
seriam e sentiu pena de todos...
E
então, o tempo, sem misericórdia ou perdão, atirou sua chuva de
realidades e a fez enxergar seus anos escorrendo entre os dedos, e
soube que se continuasse alí, em questão de dias envelheceria sem
consciência nem medida. Era hora de partir...
Abriu
a janela para deixar que os pensamentos se evaporasse com o vento.
Ainda havia muito chão pela frente. Sentiu que ele estava ao seu
lado, segurando sua mão novamente, assim como fazia enquanto dirigia
nas estradas desconhecidas entre um ponto e outro no mundo. Olhou a paisagem que passava lentamente, as lágrimas desceram em
despedida. Ainda havia tempo para o pranto... . O tombo havia sido
feio, a tentativa de cicatrização, naquele refúgio, ainda pior... estava doendo. Superar tanta dor é um ofício
que, sabia, teria que aprender com o tempo.
Mas
ela conseguiria... estava voltando para casa.
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